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Odisseu A Telêmaco

 “ODISSEU A TELÊMACO

Caro Telêmaco,

                            encerrou-se a Guerra

de Tróia. Quem venceu, não lembro. Gregos,

sem dúvida: só gregos deixariam

tantos defuntos longe de seu lar.

Mesmo assim, o caminho para casa

mostrou-se demasiado longo, como

se Posseidon, enquanto ali perdíamos

nosso tempo, tivesse ampliado o espaço.

Não sei nem onde estou nem o que tenho

diante de mim, que suja ilhota é esta,

que moitas, casas, porcos a grunhir,

jardins abandonados, que rainha,

capim, raízes, pedras. Meu Telêmaco,

as ilhas todas se parecem quando

já se viaja há tanto tempo, o cérebro

confunde-se contando as ondas, o olho

chora entulhado de horizonte e a carne

das águas nos entope enfim o ouvido.

Não lembro como terminou a guerra

e quantos anos tens, tampouco lembro.

Cresce, Telêmaco meu filho, os deuses,

só eles sabem se nos reveremos.

Não és mais o garoto em frente a quem

contive touros bravos. Viveríamos

juntos os dois, não fosse Palamedes,

que estava, talvez, certo, pois, sem mim,

podes, liberto das paixões de Édipo,

ter sonhos, meu Telêmaco, impolutos.”

(1972)

– Joseph Brodsky (Ио́сиф Бро́дский), no livro “Quase uma elegia”. [tradução de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher; Introdução e textos complementares de Nelson Ascher]. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

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